terça-feira, 1 de novembro de 2016

PRESENTE DE NATAL

Autora: Stela Câmara Dubois

Naquela véspera de Natal,
a pobre mãe não tinha
o mais simples e humilde presente
para a sua filhinha...
Andavam mal as finanças
e o esposo,
que era do norte,
metera-se, corajoso,
nessa cadeia-ambulante
que o vulgacho apelidou
de “pau-de-arara”,
para enfrentar a morte!...
E agora é mais outra véspera de Natal...
O Dia universal,
o maior dos dias,
pois foi quando o divino Ser
se uniu ao ser humano,
ligando o céu à terra,
fazendo o céu tão perto
que até mesmo o deserto
de flores se cobriu...
E a noite da incerteza
cedera o seu lugar
à mais linda alvorada
que se abriu!...
No meio de toda essa fartura,
tanto fulgor e encanto,
que a natureza não se penalizava
de esbanjar,
a pobre mãe não tinha
um presentinho,  sequer, para a sua filhinha...
- Mamãe, Papai Noel vai trazer
uma boneca francesa para Maria, a nossa vizinha,
uma que sabe falar e cantar
e ela está doidinha de alegria!...
– Uma lágrima quis rolar
pelas faces da mãe
e ela a deteve, brusca e repentinamente,
com o pulso forte do heroísmo,
que se tornara um instrumento
capaz de ser manejado e manobrado
pelas suas mãos,
como o sabiam fazer os peritos da esgrima!
E pigarreou,
enrubesceu,
olhou a nuvem veloz que se escondeu...
Então amaciando,
aveludando a voz,
como seria a voz da rosa,
se aquela rosa rubra então falasse, respondeu:
- E tu, minha filhinha,
o que queres receber?
– A menina arregalou os olhos de prazer!...
O sorriso da mamãe
era a sua riqueza.
E aquela cabecinha
coroada de cabelos sedosos
em fartos caracóis,
por onde brincaram
os raios de sol e as brisas doces
de um lustro e meio,
soube dizer:
- Você me pergunta o que eu quero?
Eu quero que Papai do Céu
nunca leve a mãezinha
como levou papai... –
- No Dia de Natal,
quando as crianças felizes
recebem sacos cheios de presente,
queres isso somente,
minha filha? –
- Somente isso, mãezinha.
Você, perto de mim,
contente, contente assim,
sorrindo,
contando histórias...
Quando eu me lembro de Maria,
sem ter mãe...
Coitada...
Parece tudo ter e não tem nada...
Não é, mãezinha? –
As lágrimas daquela mãe
não correriam nunca, nunca mais!
Um anjo viera estancá-las
usando um arrendado lenço de palavras,
e essas rendas diziam: - Quero você, mamãe! –
Ela, mulher pobre e tão fraca,
para a sua filhinha
era o melhor presente!...
E toda a noite
enluarada e bela,
a mãe ouviu e viu e pressentiu,
o magno esplendor
daquele imenso amor
que lhe enchia a alma
de música,
divina música de natal:
- Você... mamãe... é o meu melhor presente... –
- Meu Deus, Tu és o Amor!
Por isto, no Teu Dia,
espalhas a alegria
de mil formas,
mil facetas,
mil belezas diferentes!
Seria este Natal
como os outros,
uns farrapos de seda,
jogados, entulhados na minha vida...
Sem esposo, sem dinheiro,
sem amigos, sem presentes...
E no entanto,
sinto-me presa de contentamento,
desse contentamento que emudece e pasma...
Sou, eu mesma,
o melhor presente para a minha filha!
Ela nada quer,
senão a mim, somente...
Meu Deus,
faze-me boa,
faze-me forte,
faze-me, com o Teu milagre,
o milagre de me transformares
num dos Teus anjos de Felicidade!...
Na quase-manhã daquelas horas silenciosas,
ainda o luar invadindo
todo o quarto,
a mãe ouviu bater à porta...
- É o vento... – pensou...
Novamente,
e depois, mais insistente,
e a mãe se levantou...
Oh!...
Recuou... espavorida... emocionada...
Era o esposo, tido como morto,
que voltava,
depois de quatro anos
de trabalhos forçados,
perambulando
pelos núcleos
de agricultura
dos estados do sul...
Não escrevera nunca...
Para dizer o quê?...
Uma fila de insucessos,
de derrotas, de desencantos?...
Continuara a lutar
até que um dia alcançara
a estabilidade,
e viera então buscar
a pequena família,
fazendo-lhe uma surpresa
no Dia de Natal!
Aquela estrelinha,
que lá está tremeluzindo
na amplidão,
parecendo um pedacinho de Luz,
só ela poderia
cantar toda a poesia
deslumbradora, encantadora,
daquele momento!
Quando o Dia de Natal
rompeu o casulo da alvorada,
e saiu pelo espaço
anunciando aos infinitos
a “Glória nas Alturas”,
pai, mãe e filha,
unidos na oração,
apertava, cada qual, o seu presente,
mais forte,
mais fortemente,
de encontro,
de encontro ao coração!

In O Jornal Batista #51 – Dez 1955


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